Política

A entrevista de Aida Cortez na Bzzz. A ex-primeira-dama do RN que teve inspiração em Evita Perón partiu hoje

23 AGO 2021

Foto: Instagram Aida Cortez

Primeira-dama do governo Cortez Pereira, entre 1971 e 1975, Aida Ramalho Pereira morreu na madrugada desta segunda-feira (23), aos 85 anos. A informação foi da filha Aida, no Instagram, mas não revelou a causa da morte.

Mulher de personalidade forte e iniciativas polêmicas, Aida Cortez concedeu entrevista a Thiago Cavalcanti para a edição de setembro da Bzzz de 2015. Uma de suas raríssimas entrevistas depois do governo do marido, que foi um dos mais desenvolvimentistas do RN.

O velório acontece no Morada na Rua São José. Missa às 15h. Sepultamento no Cemitério da Saudade, em Nova Descoberta - 16h.

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AÍDA CORTEZ

A primeira-dama que balançou o RN. Com inspiração em Evita Perón, interferiu em todas as áreas do governo do marido Cortez Pereira e atuou intensamente na área social. Viveu os altos de baixos do poder e presenciou a solidão de um dos maiores políticos potiguares.

Ela foi sem dúvida uma primeira-dama fora dos padrões, inovadora, precursora, desbravando um mundo até então basicamente masculino, em uma época em que a mulher não tinha atuação dinâmica na política ou nas ações de governo. Com essa postura, não podiam deixar de surgir polêmicas ou controvérsias, mesmo assim, Aída Ramalho Cortez Pereira se manteve firme na sua meta e missão.

Amada e criticada, virou um mito no meio político e social no Rio Grande do Norte. Não media esforços para defender a figura do marido. Sua presença era constante ao lado dele, em viagens, reuniões, conhecendo todo o meio político nacional da época. Ficou amiga do presidente Emílio Garrastazu Médici, jogadores de futebol, artistas e outras celebridades.

Arquivo vivo de uma época em que o Brasil quer esquecer, em meio à ditadura militar, com direitos e liberdades individuais limitados, essa mulher de personalidade forte, que tem como protetor São Sebastião, abriu exceção da sua decisão de não mais conceder entrevista e revelou suas memórias para a Revista Bzzz. Fala de poder, glamour, realizações, escândalos, frustações, injustiças e solidão.

Década de 70, o regime militar imperava no País. Época marcada na história do Brasil através da prática de vários Atos Institucionais que tinham como base a censura, a perseguição política, a supressão de direitos constitucionais, a falta total de democracia e a repressão àqueles que eram contrários ao regime.

No RN, o comando do estado estava nas mãos de José Cortez Pereira, segundo governador biônico, eleito indiretamente pelos militares. Foi aí que entrou em cena a senhora Aída Ramalho, a mulher que assumiu sua função ao lado do marido na administração estadual e no Palácio Potengi, sede do governo à época, hoje Pinacoteca do Estado.

Caçula de quatro filhos do casal Odete e o médico Antônio Ozorio Ramalho (Hélion, Amanda, Alda), Aída, de temperamento forte e decidida, desde pequena, criou-se no meio da política, seu pai chegou a ser prefeito de uma pequena cidade no interior da Paraíba, estado de origem da família Ramalho. Na mudança para Natal, a família morou em uma chácara no bairro do Tirol, onde hoje é a rua que leva o nome da irmã Alda.

Tempos depois, o pai desmembrou a propriedade, vendeu parte dela e construiu casas para os filhos que iam casando. Aída casou-se com o advogado José Cortez Pereira, no dia 3 de maio de 1956, ela com 20 anos e ele com 32. Daí em diante começava sua vida ao lado do marido, que já era político, iniciando incessante atividade no meio político. Cortez Pereira foi deputado por três legislaturas e senador. O casal teve três filhos - o mais velho, Cortez Júnior, economista; Aída, a filha do meio, empresária do ramo de alimentação, e a caçula Aíla, advogada.

Voltando no tempo, a data de 16 de março de 1971 ficou para sempre na memória de Aída. Foi o dia da posse de Cortez Pereira no Governo do Estado. Subiu a escada do Palácio Potengi ao lado do marido para ele tomar posse e ela ser consagrada a primeira-dama do Rio Grande do Norte.

Mudanças no Palácio Potengi

O governo começa e com ele a responsabilidade e a missão de iniciar uma gestão inovadora e de realizações. Aída Cortez passa a se inteirar de tudo. Uma de suas primeiras ações foi o trabalho social no Estado, que até então não existia, além de organizar e providenciar o local onde iria funcionar a sede do administrativo estadual, com condições e estrutura de trabalho, seja para o funcionamento diário da atividade do governador, seja para ter um local que retratasse a importância desse Estado, para receber as autoridades locais e nacionais. Assim surgiu a necessidade de se repaginar o Palácio Potengi.

No primeiro dia de expediente viu os funcionários lavando o prédio com “uma água imunda, suja. Aquilo me deu calafrios, não era um bom sinal”, conta Aída Cortez na entrevista exclusiva para a Bzzz. A partir da cena que presenciou, falou com o marido e pediu ajuda ao arquiteto Ubirajara Galvão (sobrinho de Cortez). A obra precisava ser agilizada, pois em breve o presidente Médici visitaria a capital potiguar. O desembarque foi cancelado até a conclusão dos serviços.

O imóvel foi todo restaurado, cômodo por cômodo, recebendo mobília nova, juntamente com os móveis de jacarandá do início do século 18 (que já faziam parte do palácio). As calçadas receberam pedras portuguesas, o jardim, recuperado. Para celebrar a reabertura, ninguém menos que o pianista Oriano de Almeida, que teve um piano comprado exclusivamente para o momento. O evento foi um sucesso, eram tempos de glórias para o Estado que recebia o prédio restaurado. Observação: Atualmente a Pinacoteca do Estado se encontra em estado deplorável.

Tempos revolucionários

Cortez Pereira era professor, advogado, pensador, estudioso do desenvolvimento, especialmente lhe entusiasmava o contínuo estudo de buscar soluções para o seu Estado. Dirigiu o Banco do Nordeste. Era o que podia se chamar de pedra preciosa que, em plena vigência do regime militar, como governador biônico, construiu toda a base da economia potiguar que perdura até hoje.

Da implantação do projeto Serra do Mel, uma proposta de reforma agrária baseada na exploração econômica do cajú e culturas de subsistência, passando pela disseminação do cultivo intensivo do coco, com o Projeto Boqueirão, na região de Touros. Cortez Pereira criou as bases de boa parte do que conhecemos hoje como progresso, pelo menos do ponto de vista de um estado que, nos anos de 1970, ainda tinha tudo por fazer.

Realizou as primeiras pesquisas aplicadas ao cultivo de camarão em cativeiro, aproveitando as áreas de salinas desativadas ou introduzindo a criação do bicho da seda, com o projeto de sericicultura na região de Canguaretama. Era um gestor ousado, capaz de enviar auxiliares para outros países a fim de recolher subsídios que pudessem ser úteis à realidade local.

Inspiração em Evita

Ao passo que Cortez Pereira pensava, planejava e executava as ações macro do Estado, sob o aspecto do desenvolvimento econômico/regional, a primeira-dama Aída firmou-se no trabalho do dia a dia das comunidades, das famílias, do social, especificamente. A sua referência foi a primeira-dama argentina Evita Perón, que influenciou muitas mulheres que estavam no poder, pelo seu populismo e assistencialismo aos carentes. Pois bem, guardadas as devidas proporções, a primeira-dama do regime militar no RN teve esta influência seguindo a linha de trabalho de Evita, dando, no entanto, a este suas personalidades e características próprias.

Aída ficava na outra ponta do governo, na assistência social. Criou a LAC- Linha Auxiliar da Comunidade. Suas auxiliares eram as esposas dos secretários do governo. A LAC funcionava na casa onde foi a residência dos governadores (casa construída pelo ex-governador Sylvio Pedroza) na Av. Hermes da Fonseca. Levava o trabalho a pulso forte, as ações sociais da LAC eram muitas. No natal das crianças no Castelão (hoje Arena das Dunas), o estádio lotava, toda a população carente saia com algum presente, em especial brinquedos para as crianças.

No dia das mães, estas eram recebidas com festas regadas a prêmios, como geladeiras, por exemplo. Na Páscoa, toneladas de peixes eram distribuídas. Passagens aéreas ou de ônibus eram fornecidas para quem fosse se tratar de doenças graves fora do estado, quando o serviço não era disponibilizado pelo Estado. Mas, um dos pedidos mais esdrúxulos foi o de um burro. Um senhor que vendia estrume e usava o animal como transporte para seu trabalho teve seu animal roubado. Ele então recorreu à primeira-dama. Pedido feito, pedido aceito, Aída determinou a compra de um animal.

O programa “Vamos colorir e perfumar Natal” era o queridinho de Aída. Tinha carros de som, foguetões, fotos, muita música (havia até um disco compacto duplo com músicas do programa, de autoria do secretário de governo Roberto Lima). Mudas de árvores também eram distribuídas nesse programa.

Aída Cortez adorava tudo isso. Misturava-se ao povão, mas também gostava dos holofotes e da mídia. Tudo seu era registrado passo a passo. Falar em público era com ela mesma, adorava discursar e dizer o que pensava. “Os pobres jamais se esqueceram de mim, já os ricos nem lembram que um dia estiveram em minha casa”, dispara a ex-primeira-dama.

O glamour

Como primeira-dama do Rio Grande do Norte, Aída não poupou luxo e sofisticação no seu guarda-roupa. Mulher de personalidade forte e vaidosa, foi vestida por Marcílio Campos, estilista pernambucano que vestia a elite da época, de quem ela já era cliente.

O costureiro era a agulha de ouro do Nordeste, as mulheres ricas de todos os estados o procuravam para fazer suas roupas. Ele estava para época o que a estilista alagoana Marta Medeiros é na atualidade. Cada evento era um vestido, uma peruca e uma joia diferentes. Severino Ramos era seu cabelereiro oficial. Chamava-o carinhosamente de Raminho, que a acompanhava sempre em suas viagens. Foi sua amiga fiel até a morte dele, em 1988.

Aída promovia festas, bailes e jantares como mandava o figurino. Era presença constante nas colunas sociais de Jota Epifânio e Adalberto Rodrigues, colunistas já falecidos. Numa viagem ao Japão, na cidade de Tóquio, a embaixada japonesa recepcionou em jantar o casal e sua comitiva. Chegada a hora da refeição protocolar, Aída não aparecia e Cortez Pereira já estava nervoso. Eis então que ela aparece vestida de gueixa. Todos foram às gargalhas com as peripécias da primeira-dama potiguar. Ficou amiga do presidente Emílio Garrastazu Médici e sua esposa, Scila. Hoje Aída fala com exaltação do jogador rei do futebol, Pelé. “Amo de paixão aquele homem!”, exclama.  

A guardiã

Mulher de gênio forte e cuidado redobrado com a figura do governador, tinha uma proteção exacerbada. Quando o marido estava repousando, não deixava ninguém incomodar, mesmo que fosse algo de urgência. Tal comportamento criou vários imbróglios com auxiliares e deputados que precisassem falar com ele. Certa vez o deputado estadual Moacir Duarte foi à residência oficial e no momento em que o empregado informava que o governador não estava, ele vê Cortez Pereira passar pela porta entreaberta. Foi um escândalo, o deputado de pavio curto esbravejava, até o governador chegar e acalmar os ânimos, dizendo que o funcionário não sabia que ele estava em casa.

Se Cortez Pereira tivesse uma reunião que Aída achasse importante, não arredava o pé do gabinete. Afirma que o marido sempre incentivou sua participação nas reuniões de governo, mesmo que constrangesse ou incomodasse a alguns. Aída não se poupava para defender o marido, mesmo que gerasse desconforto para seus auxiliares.

A primeira-dama tinha outra particularidade: adorava tomar decisões. Isso deixava todos com certo pânico. Sempre interferia nos trâmites do governo, pois é uma característica da sua personalidade. Ela mandava mesmo. Justifica que as ações tinham que funcionar, assim, se não se envolvesse, muitas vezes as coisas não aconteciam.

Na história política do Rio Grande do Norte nenhuma primeira-dama teve tanta carta branca de um governador como Aída Ramalho Cortez. Todas eram ligadas ao social, no campo administrativo, e ninguém podia reclamar. Respirava o marido 24 horas por dia.

Solidão após o poder

Quatro anos depois da posse, no dia 16 de março de 1975, o casal Aída e Cortez Pereira, uma vez que o mandato foi reduzido em um ano (passou de cinco para quatro), desceu os degraus do Palácio Potengi. Era a volta à realidade cotidiana. Restaram poucos amigos. Com uma agravante: Cortez teve seus direitos políticos suspensos pelo regime militar.

A família passa a enfrentar um dos piores inimigos: a solidão. A casa que antes vivia cheia e rodeada de “amigos” era tão somente vazia com a mobília de época testemunhando o desolamento do ex-governador e da ex-primeira-dama, que se voltaram para família, para os amigos que ficaram e para as atividades desenvolvidas nas suas fazendas, de onde tiraram o sustento durante o período.

“Lembro-me bem um ano depois de Cortez ter deixado o governo, fui visitá-lo no dia do seu aniversário e tive um susto. Estava ele na sala sozinho, um abajur ligado e sem nenhum amigo. Anos anteriores, era gente que não cabia na enorme sala”, lembra o jornalista Albimar Furtado, que trabalhou no seu governo.

O escândalo

No período da cassação, ainda no intuito de se fabricar “notícia”, saiu publicado um assunto que até hoje incomoda Aída Cortez: o escândalo dos sutiãs, que teriam sido comprados em um pequeno armarinho do bairro do Alecrim, que vendia de tudo com preços populares, que seriam doados para um abrigo no bairro Bom Pastor, onde residiam moças que se desvirtuaram na vida, ou seja, caíram na prostituição.

A notícia chega ao jornalista Djair Dantas, correspondente do Jornal do Brasil e da revista Veja. Ele repercute com proporções grandiosas e distorcidas sobre o caso, afirmando que tais peças chegavam a 35 mil unidades. Um grande escândalo na época, noticiado em todos os jornais locais. Em Natal, a nota foi publicada pelo jornalista Woden Madruga. Não tendo sido nada provado, o processo foi arquivado.

Independência rejeitada

Cortez Pereira ainda tentou voltar à política, tendo, inclusive, sido convidado por todos os grupos políticos mais de uma vez. No entanto, não conseguiu, pois ele queria retornar à política de forma independente, com a opção de uma terceira força entre as famílias Alves e Maia, que dominam as searas políticas até hoje. Sem a famosa aliança, a intenção do revolucionário ex-governador não logrou êxito.

Aída fala das injustiças cometidas com o marido, os dissabores com alguns amigos. “Cortez contribuiu muito para o desenvolvimento do Rio Grande do Norte através da criação de projetos importantes. Era um homem simples e culto. Foi injustiçado, mas superava todos os obstáculos e adversidades. Ele morreu pelo Rio Grande do Norte e pelos projetos que concebeu, não dão a devida importância e ele”, ressente-se.

Sobe o poder, ele dizia: “Quem foi e não é mais é mesmo que não ter sido”. Frase criada e costumeiramente citada por Cortez, agora parafraseada pela viúva Aída. O ex-governador José Cortez Pereira morreu no dia 21 de fevereiro de 2004, aos 79 anos.

Injustiça

Aída Ramalho Cortez é um arquivo vivo. De uma memória privilegiada e de bom humor, não perdeu a mania do tempo de primeira-dama, de dar ordens, de se preocupar com as questões sociais (ainda mantém projetos sociais em algumas cidades do interior).

Mora no mesmo endereço da época de ouro do poder, uma casa espaçosa dos anos 60 no bairro do Tirol, projetada pelo arquiteto Ubirajara Galvão. Recebeu-me educadamente em sua ampla sala, com móveis coloniais, e, de testemunha, um imenso quadro com a foto do marido.

Em nossa conversa ela dispara: “Minha grande frustração foi não seguir carreira política, Cortez nunca deixou, seria melhor do que muita gente que está no poder”, alfineta. Entre risadas e lembranças, Emociona-se ao falar do marido. Das lutas diárias, das glórias e sofrimentos durante o governo. Lamenta que o centro administrativo não foi batizado com o nome de Cortez Pereira.

Não fala da idade, jamais “A velhice é uma realidade incômoda”, considera. Aída Ramalho diz que fez voto de pobreza. “As joias e vestidos de festas viraram passado, não faz mais sentido na minha vida”, revela.

Prepara-se para lançar um livro, onde contará suas memórias do tempo de primeira-dama e da trajetória política de Cortez Pereira. Tem um acervo bastante rico, tudo arquivado e catalogado. Seu dia a dia começa às 6h. Atende pessoas, telefonemas, ajuda a filha Aída no seu bufê e cuida dos netos.

“Meu filho, você é um rapaz de sorte. Já me convidaram para vários programas e entrevistas e não aceitei. Meu santo bateu com o seu”, afirmou durante a entrevista.

Uma coisa é certa: já se passaram 40 anos que Aída Ramalho Cortez Pereira foi personagem da história do Rio Grande do Norte, mas os fatos continuam nítidos em suas memórias, testemunha ocular dos bastidores da política local. Sentiu na pele as delícias e as dores de estar no poder. E dele sair.

Autor(a): Eliana Lima



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