01 FEV 2022
O mundo está chocado com a selvageria que levou à morte o congolês Moïse Kabamgabe, 24 anos, espancado e assassinado na segunda-feira (24), próximo a um quiosque na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro.
Segundo parentes do jovem, ele trabalhava por diárias no quiosque servindo mesas na areia e foi ao local cobrar dois dias de pagamentos atrasados.
Ele teve pés e mãos amarrados com um fio após sofrer sequência de agressões. Foi encontrado por policiais ainda preso, deitado ao chão, já sem vida, em uma escada do estabelecimento.
Agentes da Divisão de Homicídios do Rio ouviram na tarde de hoje (1°) o dono do quiosque onde Moïse trabalhou como atendente. A defesa afirma que o dono do estabelecimento não conhece os dois homens que agrediram o congolês e negou que havia dívidas do quiosque com Moïse.
Segundo sua defesa, o proprietário estava em casa quando o congolês foi espancado e apenas um funcionário do estabelecimento estava no local no momento das agressões.
Terrível cenário
No Twitter, o jornalista Caio Barreto Briso descreveu a gravíssima situação pela qual passam os imigrantes que fogem da guerra e da fome em seus países e no Brasil a esperança de uma vida melhor é despedaçada por exploração, fome, discriminação e violência.
Segue seu relato:
- Conheci Moïse quando fui à favela Cinco Bocas, em Brás de Pina, fazer uma reportagem sobre a vida dos congoleses no Rio. Acabei me aproximando de um dos seus melhores amigos. Chadrac me apresentou a vários conterrâneos. Na hora do almoço, convidei-o para comer. Ele agradeceu, mas recusou: não se sentiria bem almoçando em um restaurante enquanto amigos passavam fome. Fomos então ao supermercado e enchemos um carrinho de comida. Comecei a entender ali quem eram aqueles imigrantes: se um come, todos comem. Se um passa fome, todos passam fome.
Conheci um economista congolês q falava francês, lingala, português e inglês. Sonhava ser contratado como tradutor na Rio2016, mas só conseguiu vaga como voluntário. Um administrador virou faxineiro. Chadrac, formado em hotelaria, carregava pedras em troca de 60 reais por dia.
A coordenadora da Cáritas RJ, Aline Thuller, contou na época que empresários cariocas preferiam contratar imigrantes brancos, como os sírios. Congoleses, angolanos e haitianos só eram procurados para trabalho braçal - como carregar e descarregar caminhão de pedra, caso do Chadrac.
Um mês antes de João nascer, demos uma festa pra 100 pessoas lá em casa. Enchi a playlist de Fally Ipupa, Simaro Lutumba e chamei Chadrac e seus amigos. Moïse, mais sossegado, não foi. Vocês já viram um congolês vestido pra uma festa? São os mais elegantes e melhores dançarinos do mundo.
No sábado à noite, Chadrac me ligou pedindo ajuda. Contou chorando que mataram Moïse. Não consigo pensar em outra coisa desde então, assim como não consigo esquecer de um bebê recém-nascido que o pai, um homem chamado Luta, batizou de Vencedor. Era o primeiro carioca da família.
Luta fugiu para o Brasil com sua mulher grávida. Sonhava ser jogador no país do futebol, mas acabou no subemprego. Uma vez liguei pra saber como estavam: Vencedor tinha morrido. Segundo o pai, de desnutrição, pois a família só tinha dinheiro pra comer "fufu" (fubá em lingala).
A situação dos congoleses, angolanos e haitianos no Brasil é terrível e atravessa governos de centro-esquerda e extrema-direita de forma surpreendentemente parecida. O racismo estrutural bloqueia avanços profundos. Eles têm as nossas lágrimas, mas só podem contar com eles mesmos.
Eu queria ter esperança, queria acreditar que as coisas podem melhorar, mas a esperança foi assassinada a pauladas atrás de um quiosque. Que @eduardopaes faça algo por Cinco Bocas. Que @claudiocastroRJ, aliado de milicianos, priorize o caso Moïse. Vocês acreditam nisso? Eu não.
Caio Barretto Briso
Autor(a): Eliana Lima