13 JUL 2023
Djalma Marinho foi um dos maiores políticos da história do Rio Grande do Norte até hoje.
Liberal-conservador, tinha conhecimento invejável e era sempre educado, com sua voz tranquila. Manteve-se fiel às suas convicções ao longo dos 40 anos de vida pública.
Embora do partido situacionista, não se escondeu no cobertor da covardia diante das arbitrariedades do autoritarismo que se instalara no Brasil. Desafiou o então presidente-general Costa e Silva, a quem cunhou a frase do dramaturgo e poeta espanhol Pedro Calderón: “Ao rei (Costa e Silva), tudo, menos a honra (minha)”.
Quem bem contou fato marcante de sua decisão pela democracia foi o saudoso jornalista potiguar Murilo Melo Filho, imortal da Academia Brasileira de Letras, sob o título “Ao rei tudo. Menos a honra”, no dia 21 de abril de 2004, no Jornal do Brasil.
A matéria:
- Os trabalhos legislativos corriam em Brasília, mornos e monótonos no fim daquela tarde de 3 de setembro de 1968, quando o deputado Marcio Moreira Alves, falando no ''pinga-fogo'', pronunciou um discurso que bem poderia ter ficado inédito, porque proferido para um plenário vazio e que constaria de um registro sem o menor destaque ou importância no Diário do Congresso. Dizia ele mais ou menos o seguinte:
- Com a proximidade do 7 de setembro, a ditadura certamente vai determinar que os colégios participem do desfile militar. Apelo para que os pais não permitam aos seus filhos marcharem ao lado dos carrascos que os agridem e os fuzilam nas ruas. E proponho às moças que não dancem com os cadetes no baile da Independência.
Por coincidência, justamente naquela semana estava sendo encenada, em São Paulo, a comédia grega Lisístrata, de Aristófanes, com a história das atenienses que fecharam as portas de suas casas para os maridos derrotados na volta de uma batalha. Interpretou-se o discurso como uma insinuação para que as brasileiras se fechassem (sic) aos oficiais, seus maridos, numa interpretação absurdamente sexual.
Os militares da linha ''dura'' estavam precisando de um pretexto e aquele era simplesmente ótimo. O discurso foi reproduzido em milhares de cópias mimeografadas e distribuídas em todos os quartéis e guarnições.
Os ministros do Exército, Aeronáutica e Marinha - Lyra Tavares, Márcio Melo e Rademaker - exigiram um processo contra o deputado, que o ministro da Justiça, Gama e Silva, transformou imediatamente num pedido de licença para cassação do seu mandato. Realizaram-se então muitas negociações entre o Palácio do Planalto e a Comissão de Constituição e Justiça, que tinha de dar seu parecer sobre o pedido de licença e que era presidida por Djalma Marinho, um corajoso deputado lá do Rio Grande do Norte.
Nesse ínterim, a polícia, que vinha espionando de perto todos os passos dos promotores do 30º Congresso Nacional dos Estudantes, marcado para o dia 14 de outubro em Ibiúna, conseguiu surpreender os seus organizadores e invadiu o recinto do conclave, prendendo em flagrante, numa detalhada operação, os principais líderes da UNE: José Dirceu, José Travassos e Vladimir Palmeira, além de dezenas dos 700 delegados presentes. Esgueirando-se por um portão nos fundos do sítio, Jean Marc van der Weide foi um dos únicos a escapar do cerco policial.
Enquanto isto, realizavam-se as negociações entre o Planalto e a CCJ. Duas sugestões foram aí feitas e recusadas:
1. A do senador Daniel Krieger, líder do governo no Senado, para uma punição intramuros do parlamentar, que sofreria uma espécie de advertência, interna corporis, em vez de uma cassação.
2. E a do deputado Djalma Marinho, que propunha o adiamento da decisão para março seguinte, após as férias legislativas, quando os parlamentares teriam oportunidade de consultar suas bases e regressar a Brasília com mais elementos que ensejassem uma solução do impasse. (Essa idéia foi inicialmente aceita pelo próprio marechal Costa e Silva, mas depois recusada pelo ministro Gama e Silva).
Com o fracasso de ambas as sugestões, o senador Krieger renunciou à liderança no Senado, refugiando-se em sua fazenda Lami, a 37km de Porto Alegre. O deputado Djalma Marinho, após recusar um dramático e comovente apelo do senador Dinarte Mariz, renunciou à presidência da Comissão, pronunciando um histórico discurso:
- Na minha sofrida vida pública, como representante de um pequeno estado, tenho mantido fidelidade à ordem democrática. Ao longo do tempo, mesmo na minha humildade, a ela ofereci a minha vassalagem, mas nunca o atendimento a exigências e concessões absurdas, como esta. Passada a tormenta e esclarecidos os homens, virá o tempo da reconstrução. Rejeitar este pedido é um ato de bravura moral, igual àquele oferecido por Pedro Calderón de La Barca: ''Ao rei tudo, menos a honra''.
Sem o seu presidente, a Comissão de Justiça já havia estrategicamente substituído vários deputados da Arena contrários à concessão da licença e deu parecer favorável a ela, por 17 votos contra 9. A votação no plenário foi marcada para o dia 12 de dezembro, acusando o seguinte resultado: 141 votos a favor da licença, 24 abstenções e 12 em branco. A maioria de 216 votos, estimulada pelo discurso de Djalma, recusou a sua concessão, num ato de ousada e surpreendente coragem.
Derrotado, o governo militar reagiu no dia seguinte, 13 de dezembro de 1968, há quase 36 anos, portanto, decretando o AI-5, com todo aquele cortejo de violências, seqüestros, torturas, cassações e prisões.
Uma densa e prolongada noite de trevas iria abater-se sobre o país, mas restaria para sempre aquele valente protesto e aquela sábia advertência de Djalma Marinho, meu conterrâneo e um exemplo para toda a sua geração, que foi inspirar-se no grande teatrólogo madrilenho do Século 17:
- Ao rei (Costa e Silva), tudo, menos a honra (minha).
Autor(a): BZN