16 ABR 2025
O caso do ex-ativista italiano Cesare Battisti ainda é uma das páginas mais embaraçosas da relação entre política e Justiça no Brasil. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou e autorizou a extradição de Battisti, condenado na Itália à prisão perpétua por quatro assassinatos nos anos 1970. Mas, mesmo com o aval jurídico dado, os ministros decidiram que a palavra final caberia ao então presidente Lula da Silva, que se recusou a extraditar Battisti no último dia de seu mandato, em 31 de dezembro de 2010.
Meses depois, em junho de 2011, o próprio STF referendou a decisão de Lula, determinando a libertação de Battisti e reforçando que a prerrogativa do presidente da República, naquele momento, se sobrepunha à gravidade dos crimes julgados pela Justiça italiana, uma escolha política travestida de decisão soberana.
O contraste desse episódio com a postura atual do Judiciário brasileiro chama atenção. No centro da comparação está o caso do jornalista Oswaldo Eustáquio, aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, que teve sua extradição solicitada pelo ministro Alexandre de Moraes ao governo da Espanha. O governo espanhol, no entanto, negou o pedido, deixando claro que os fatos atribuídos ao jornalista, ligados à livre manifestação de opinião, não configuram crime pela legislação do país, já que “crime de opinião” não existe nem lá, nem aqui.
Ainda assim, Moraes reagiu, determinando que o Itamaraty, por meio do embaixador brasileiro em Madri, questione formalmente a negativa espanhola, numa demonstração de insistência que contrasta com o entendimento do STF no caso Battisti, quando o tribunal aceitou a decisão política de manter o italiano no Brasil.
A contradição é evidente: no caso Battisti, um condenado por assassinatos foi blindado politicamente e mantido em solo brasileiro mesmo com sentença definitiva; já no caso Eustáquio, acusado de ‘crime’ de opinião, o Judiciário brasileiro pressiona a Espanha, que se recusa a entregar o jornalista, justamente por enxergar no processo algo incompatível com o conceito democrático de liberdade de expressão.
Mais do que diferenças de processos, o contraste entre os dois casos expõe como a Justiça brasileira pode adotar pesos e medidas diferentes, de acordo com o cenário político e o nome que ocupa a cadeira presidencial. Quando convém, o Brasil aceita a soberania de outros países; quando não convém, tenta dobrá-los.
É.
Autor(a): BZN