04 FEV 2024
Na manhã do dia 12 de março de 2021, Raissa Cláudia da Silva Mata, 15 anos na época, acordou com uma ideia e uma esperança de conseguir mudar a realidade que estava enfrentando juntamente com sua família. A perspectiva era que ela ficaria sem estudar durante todo o ano, e que sua irmã Rebeca, quatro anos mais nova, entraria para o segundo ano sem aulas.
Filha de empregada doméstica que não conseguiu concluir os estudos, Raissa da Silva conta que durante toda a sua vida escolar a mãe sempre batalhou muito para conseguir custear os estudos dela e da irmã em instituições de ensino privado, enquanto pôde. Quando não foi mais possível, passaram a contar com a ajuda de bolsas de estudo ou escolas públicas.
No final de 2020, último ano do seu Ensino Fundamental, Raissa era bolsista de uma pequena escola privada e se preparava para tentar uma vaga para cursar o Ensino Médio no IFRN. Porém, com a pandemia do Covid-19 em curso, a instituição não fez prova de seleção naquele ano, utilizando apenas análise de histórico como forma de ingresso. “Apesar de ter conseguido uma ótima nota, não foi o suficiente para passar”, disse.
Diante disso, só restava a opção de tentar uma vaga em alguma escola pública nas proximidades do bairro onde morava. A retomada das aulas, no entanto, era incerta, já que sua irmã Rebeca estava há um ano sem estudar, porque a escola pública em que era matriculada não funcionou e nem ofereceu aulas on-line durante o ano de 2020. Raissa então tentou algo inusitado.
“Venho por meio desta carta, pedir que se solidarize com a minha situação. Sei que suas responsabilidades e deveres possuem uma imensidão inimaginável, e que provavelmente mal terão tempo ou disponibilidade para ler adequadamente este pedido e considerá-lo. Entretanto escrevo aqui, não apenas como uma estudante sem escola, mas também como uma esforçada adolescente de 15 anos completamente desesperada, filha, irmã e neta que não enxerga nenhuma alternativa para sair dessa posição atual. Acredito que uma expressão adequada para o momento seria ‘sem saída’ para ser exata”, diziam as palavras iniciais da carta que a estudante enviou por e-mail em 13 de março de 2021 ao Colégio CEI Romualdo Galvão e Roberto Freire.
No corpo do e-mail, Raissa da Silva contou toda a situação familiar de dificuldade financeira que estava passando, agravada pela pandemia, e ressaltou que sua maior preocupação era com a irmã, que está há mais tempo sem aulas. “Eu estava menos nervosa por mim e mais preocupada por minha irmã. Eu, ao longo de 2020, tive aula normal no 9º ano a partir de aulas on-line. Mas a minha irmã não era bolsista e ela estava em uma escola municipal que não ofereceu nenhum tipo de suporte para os alunos”, relatou.
A diretora pedagógica do CEI Romualdo e Roberto Freire, Cristine Rosado, comenta que o conselho diretor da instituição ficou muito tocado pelas palavras da estudante. “A carta chegou num momento muito difícil para todo mundo, era pandemia. Ela relatava que a irmã estava sem estudar e nos sensibilizou muito uma jovem preocupada com a irmã. A gente entendeu que era importante apoiá-las. É uma responsabilidade nossa, da escola, ajudar as pessoas socialmente. Ao ver aonde ela chegou nos faz sentir que estamos cumprindo nossa missão de transformar vidas”.
A escola ofereceu bolsa de estudos integral para Raissa e Rebeca da Silva, que em meados de abril começaram as aulas. A aluna relata que no início foi muito difícil acompanhar o novo ritmo e nível de ensino da escola: “Foi muito, muito exaustivo tentar acompanhar o ritmo. Eu assistia às aulas até 12h50, a minha coordenadora da época também me passava os horários das aplicações de conteúdo, que tinha de física, química, matemática e biologia. Eu ia pra essas quatro aulas, nunca faltava nenhuma. Eu acordava muito cedo para as aulas e ia dormir muito tarde vendo assuntos que eu já tinha perdido”.
No último dia 31 de janeiro, Raissa Cláudia da Silva Mata teve seu esforço e dedicação recompensados com a aprovação no SiSU 2024, no curso de Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN. “Conquistar essa aprovação para mim significou muita coisa, porque não foi fácil em momento nenhum. É como se passasse um filme na minha cabeça, as madrugadas de estudo, os choros de desespero por não estar indo no mesmo ritmo, ter que acordar às 5h para pegar o transporte público, para assistir aplicação de conteúdo, aulas extras, que às vezes terminavam às 20h. Chegar em casa por volta das 21h30 e no outro dia acordar às 5h de novo. É muito gratificante saber que eu pude trazer orgulho, não só para minha família, mas também para o conjunto de professores que durante toda a minha vida me deram apoio e a segurança de que eu podia sonhar, sim, e que eu podia ser mais do que a minha realidade me concedia”.
A mãe da estudante, Ana Cláudia da Silva, descreve o sentimento de ver a aprovação da filha mesmo diante de todas as dificuldades enfrentadas. “É um sentimento que não cabe mais no coração. Foi uma trajetória de muita luta, muitas faxinas, muitos banheiros lavados pra sempre garantir uma mensalidade de escola desde pequena. Sempre acreditei que a maior herança que eu poderia deixar para elas seria um bom estudo. Hoje tá aí, minha filha conquistou esse sonho! Eu falei pra ela: ‘filha, até onde eu pude fazer por você eu fiz, agora é com você’. E ela correu atrás do sonho dela e graças a Deus ela conseguiu! Acredito de verdade que é só o início, elas vão longe, as duas. Sempre foi por elas, sempre!”, relatou emocionada.
Ao comentar sobre como teve a ideia de pedir a bolsa de estudos ao Colégio CEI, a nova universitária diz que a fé a ajudou. “Eu sou uma pessoa que tenho muita fé em Deus e aí eu pedi um direcionamento a Deus de como fazer para ajudar a minha irmã. Eu estava em paz com a perspectiva de que talvez eu precisasse passar um ano sem estudar, mas não sobre a minha irmã, porque no caso dela seriam quase dois anos de aula perdidos. Em uma manhã eu acordei e disse ‘Deus, toma a frente que vai dar tudo certo’. Aí eu sentei no meu quarto, redigi uma espécie de carta e enviei”.
O Colégio CEI Romualdo Galvão e Roberto Freire já contabiliza mais de 100 aprovados no SiSU 2024, sendo 10 em Medicina, 19 em Direito e 53 nas Engenharias, além dos 1⁰s lugares da UFRN em Nutrição, Engenharia de Produção, Mecatrônica, Jornalismo e Música.
Autor(a): BZN