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Pessoas com deficiência de João Câmara têm dignidade com apoio do Sebrae

06 JUN 2025

Foto: Divulgação

Segundo dados do último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2022 e divulgados no final do mês de maio deste ano, o Brasil possui cerca de 14,4 milhões de Pessoas com Deficiência (PCDs). Destes, 7,9 milhões possuem dificuldades de enxergar, outras 5,2 milhões com restrições para andar ou subir degraus, 2,7 milhões para pegar pequenos objetos ou abrir e fechar tampas e 2,6 milhões de pessoas sem ouvir parcial ou totalmente.

No Rio Grande do Norte, os dados do Censo 2022 do IBGE apontam que o estado possui cerca de 285,3 mil PCDs, o que representa 8,8% da população potiguar, maior que a média nacional que é de 7,3%.

Este público PCD ainda tem muitas dificuldades de garantir seus direitos na sociedade. Com o objetivo de ajudar este segmento a ter uma melhor qualidade de vida e interação com a sociedade, as unidades em todo o Brasil do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), realizam ações, tanto para os cidadãos PCDs, como também as empresas e seus colaboradores, que promovem a conscientização para que este público tenha seus direitos garantidos.

O Sebrae/RN também desenvolve ações voltadas para as PCDs. Na cidade de Pau dos Ferros, no interior do RN, distante 391 quilômetros de Natal, o Sebrae/RN realizou em 2022, um curso de atendimento ao cliente na Linguagem Brasileira de Sinais (Libras), ministrado para colaboradores de empresas locais para atenderem com a Libras, pessoas com deficiência auditiva.

Já em 2024, o Sebrae/RN apoiou em Natal, em parceria com os projetos Mães Corujas Batalhadoras, o Instituto LeBlue, que atuam com pessoas com autismo, a Associação Brasileira de Psiquiatria e o Instituto Gestão e Vida, a realização de palestras com o tema Curatela e tomada de decisão apoiada – O que você precisa saber”. 

Na cidade de João Câmara, distante cerca de 80 quilômetros da capital Natal, o Sebrae/RN apoia a Associação Camarense de Apoio as Pessoas com Deficiência (Acapord), que tem como presidente desde sua fundação em 2.000, Eunice Maria Xavier, que é uma PCD. 

Condição de PCD

A presidente da Acapord, Eunice Xavier Estevão, de 56 anos de idade, é natural de João Câmara e adquiriu poliomielite, também chamada de paralisia infantil aos 12 anos de idade, numa época em que as campanhas de vacinação ainda não eram tão populares, como atualmente, pois não havia a força das redes sociais, da internet e das divulgações dos jornais televisivos, impressos, em sites.

Outro fato que também dificultou o acesso de Eunice a vacina contra poliomielite, teve relação com o local em que ela morava, no distrito de Valentim, distante 8 quilômetros do centro de João Câmara. Seus pais, Maria Aparecida Xavier e Francisco Estevão Neto, já falecidos, eram agricultores e criavam sete filhos, dois homens e cinco mulheres, incluindo a Eunice, numa época de muitas dificuldades.

Vida após a poliomielite e alfabetização

Como a família da presidente da Acapord não tinha condições de comprar uma cadeira de rodas, ela ficava o tempo inteiro em casa. Ela foi alfabetizada através de sua tia Materna, Maria José, que ensinava as crianças e adolescentes locais através do antigo Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral). “Para ir até as aulas da minha tia, como eu não tinha uma cadeira de rodas, minha irmã, Lucineide Xavier, me levava e trazia de volta para casa nas costas, numa distância diária de cerca de 500 metros, Foi nestas aulas que aprendi a ler e escrever”, lembra Eunice Xavier.

Quando ela veio morar com a família no Centro de João Câmara, foi realizada uma campanha para comprar uma cadeira de rodas convencional para ela, o que a possibilitou ter autonomia parcial, pois ainda dependia de alguém para empurrar a cadeira para ela. Aos 18 anos conclui o ensino médio na Escola Estadual Francisco Bitencourt. “Nesta época minha vida se resumia apenas de casa para escola”, disse Maria Eunice.

Apenas após ser inscrita no Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos com mais de 65 anos e pessoas com deficiência de qualquer idade, no valor de um salário mínimo, Eunice fez em 2002 um empréstimo no banco de R$ 3 mil e comprou uma cadeira motorizada, conseguindo assim uma maior autonomia, passando a não depender mas de outra pessoa para empurrar a cadeira.

A dificuldade dela, assim como as demais cerca de 150 PCDs de João Câmara, é a questão da acessibilidade nos espaços urbanos da cidade. “Por conta disso trafego com a cadeiras em muitos trechos dividindo o espaço com os carros, arriscando a vida”, desabafou a presidente da Acapord, Eunice Xavier, que tinha o sonho de se formar em Direito, mas por falta de condições financeiras, não concretizou, pois não tinha como se deslocar com uma pessoa para Natal. Além dela, apenas outras três PCDs têm cadeiras de rodas motorizadas no município.

Surgimento das Acapord

Diante de tantas dificuldades como PCD, Eunice Xavier, junto com um grupo de mães de João Câmara e comunidades adjacentes, criou em 2000 a Acapord e desde então está no cargo de presidente da entidade. “O objetivo da Acapord é incluir as PCDs na sociedade, proporcionando acesso aos direitos como o BPC, ter cadeiras de rodas através de doações que recebemos, capacitar para o mercado de trabalho, ajudar na alfabetização, proporcionando dignidade a estas pessoas”, disse a presidente Eunice Xavier. A Acapord foi a primeira e até o momento é única entidade que trabalha com as PCDs em João Câmara. “Antes éramos abandonados”, disse a presidente Maria Eunice.

A sede da entidade, localizada no Centro do município, foi construído do zero em um terreno cedido pelo Governo do RN, com recursos de empresas de energia elétrica que atuam na região do Mato Grande potiguar onde fica João Câmara. Toda sua estrutura física é dotada de acessibilidade para as PCDs.

Fundada em 5 de dezembro de 2000, a Acapord completará no final deste ano 25 anos de atuação. Desde então oferece cursos de capacitação para o mercado de trabalho, de produção de vassouras artesanais com garrafas PET, produção de sabão ecológico, de curativos e feridas, Linguagem Brasileira de Sinais (Libras), cuidadores de idosos, produção de bolos, salgados. Os familiares dos deficientes auditivos da cidade são formados em Libras para melhor se comunicarem com seus parentes e outros se tornaram empreendedoras na comercialização de bolos e salgados.

Atualmente a entidade possui 176 associados que abrangem as mais diversas deficiências, dentre elas física, síndrome de down, transtornos mentais, visual, auditiva, entre outras.

Projeto Brincando na Água

Entre os projetos desenvolvidos pela Acapord, um dos que mais se destacam é o Brincando na Água. Na sede da associação foi montada uma piscina, doada pela empresa IV Guindastes. São atendidas crianças, filhos de mães atípicas, através do trabalho da educadora física Raimunda Izolda Lucas Domingos, portadoras de autismo e Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). A educadora física Raimunda Lucas também ministra aulas de hidroginástica para idosos de João Câmara.

Conquistas

A presidente Eunice Xavier confirma que após o surgimento da Acapord, as PCDs de João Câmara passaram a ter um maior respeito por parte da população, além do apoio da Prefeitura local que cede funcionários como ASGs, técnico de enfermagem, neuropsicólogo e um auxiliar das aulas de alfabetização, que trabalha junto da professora cedida pelo Governo do RN. “A Acapord tem sido uma bênção em minha. Hoje eu sei ler por conta das aulas de alfabetização da associação”, disse o cadeirante José de Arimatéia Barbosa

O futuro

Com relação ao que espera do seu futuro, a presidente Eunice Xavier lembra que as PcDs de João Câmara estão chegando na terceira idade e com o tempo as pessoas que antes as ajudavam, ou falecem, como os pais de Eunice, ou vão morar em outros lugares. “Meu projeto futuro é ter um espaço próprio e adequado para que os idosos da minha cidade que precisem, incluindo as PcDs, possam viver até o fim de suas vidas com dignidade e respeito”, sonha a presidente da Acapord, que atualmente recebe do BCP, um salário mínimo, ou, R$ 1518,00.

O apoio do Sebrae/RN na Acapord

A Acapord é uma das diversas entidades que o Sebrae/RN apoia no Estado. A relação entre as duas instituições teve início em 2012, através de um projeto com a empresa CPFL Energias Renováveis, que atua na região do Mato Grande potiguar com geração de energias a partir de fontes renováveis como, por exemplo, energias eólicas e solares.

A equipe do Sebrae veio até a sede da Acapord para ministrar cursos de empreendedorismo, como abrir pequenos negócios, numa parceria que durou cerca de sete anos, continuando até 2019.

“Outro apoio importante que tivemos do Sebrae/RN foi na época da construção de nossa sede, disponibilizando o engenheiro civil e o projeto arquitetônico para o desenvolvimento da obra”, disse a presidente Eunice Xavier, além de apoio quando da necessidade de organizar alguma documentação, como revisão do estatuto, renovação de contrato da parceria com o Governo do RN, campanhas anuais de doação de cestas básicas, em eventos de confraternização. “Este apoio do Sebrae/RN para nossa instituição é de grande importância, pois ganhamos mais credibilidade e conseguimos avançar em muitos projetos”, disse a presidente da Acapord, Eunice Xavier.

Produção de sabão artesanal

Uma das ações que mais têm gerado resultado na instituição é a produção de sabão artesanal a partir de óleo de cozinha reciclado. Todo o trabalho é feito na sede da Acapord. Eunice Xavier explica que esta produção surgiu a partir do apoio do professor Antônio Olavo de Sousa, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do RN (IFRN) de Natal, que trouxe a ideia para associação e em seguida o Sebrae/RN realizou um curso de capacitação na produção do sabão artesanal, com direito a certificado. “Conseguimos mudar com este trabalho o perfil das PCDs de João Câmara, através de uma melhor inserção da sociedade”, disse o professor João Olavo de Souza.

Das cerca de 20 pessoas que realizaram este curso de capacitação, apenas uma delas, Daniely Teixeira Macedo da Silva, se mantém na produção. Moradora de João Câmara, onde nasceu, é dona de casa e mãe de quatro filhos, de 18, 15, 10 e 4 anos de idade. Seu esposo, Edilson Soares da Silva, trabalha como pedreiro. Nem ela e seus filhos são PCDs, comprovando que a Acapord apoia toda população de João Câmara. “Fiquei sabendo que o Sebrae/RN iria dar este curso de capacitação na associação e resolvi participar. Sou a única participante que continua até hoje”, disse Daniely Teixeira, que recebe R$ 500 a cada 1 mil barras de sabão produzidas por ela.

Ela desenvolve todo o processo, desde coar o óleo para tirar resíduos alimentares, misturar as substâncias como detergente de louça, água sanitária, óleo de eucalipto (que tira o cheiro do óleo) e a soda cáustica. Depois de misturar todos os ingredientes coloca numa forma e espera cerca de 1h30 minutos para recortar as barras e finalmente embalar. O irmão da presidente Eunice Xavier, Josimar Xavier, é o responsável por recolher os óleos em restaurantes, supermercados e de moradores de João Câmara.

A produção mensal, de cerca de 1.500 barras, é comercializada em João Câmara e cidades vizinhas. Cada unidade é vendida por R$ 3 para o consumidor final, gerando um lucro de cerca de R$ 5 mil mensais para Acapord. A cada dois meses, o professor João Olavo do IFRN leva 500 barras para vender junto aos funcionários do instituto.

“O valor arrecadado com a produção do sabão artesanal é muito importante para nosso trabalho porque contribui para pagar as despesas mensais de cerca de R$ 8 mil, o que inclui gastos com consumo de água, energia elétrica, internet, alimentação, limpeza, material didático, contador”, informou a presidente Eunice Xavier. Ela lembra que cada 60 barras de sabão artesanal produzidos, são necessários um investimento de R$ 23.

Autor(a): BZN



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