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212 crianças e adolescentes foram mortos de forma violenta no RN em 2020

22 OUT 2021

Foto: Luiz Marques/Unicef

O alerta é do Unicef e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a partir de levantamento inédito que traça um panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, com base nos boletins de ocorrência de 27 Estados. 

De acordo com os dados, entre 2016 e 2020, 35 mil crianças e adolescentes de 0 a 19 anos foram mortos de forma violenta no Brasil - uma média de 7 mil por ano. Além disso, de 2017 a 2020, 180 mil sofreram violência sexual - uma média de 45 mil por ano.

É o que revela o Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil, lançado hoje (22) pelo Unicef e o FBSP. 

No Rio Grande do Norte, 212 crianças e adolescentes de 0 a 19 anos foram mortos de forma violenta em 2020. 

A violência se dá de forma diferente de acordo com a idade da vítima. Crianças morrem, com frequência, em decorrência da violência doméstica, perpetrada por um agressor conhecido. O mesmo vale para a violência sexual contra elas, cometida dentro de casa, por pessoas próximas. Já os adolescentes morrem, majoritariamente, fora de casa, vítimas da violência armada urbana e do racismo. 

A maioria das vítimas de mortes violentas é adolescente. Das 35 mil mortes violentas de pessoas até 19 anos identificadas entre 2016 e 2020, mais de 31 mil tinham entre 15 e 19 anos. A violência letal, nos estados com dados disponíveis para a série histórica, teve um pico entre 2016 e 2017, e vem caindo, voltando aos patamares dos anos anteriores. Ao mesmo tempo, o número de crianças de até 4 anos vítimas de violência letal aumenta, o que traz um sinal de alerta.

"A violência contra a criança acontece, principalmente, em casa. A violência contra adolescentes acontece na rua, com foco em meninos negros. Embora sejam fenômenos complementares e simultâneos, é crucial entendê-los também em suas diferenças, para desenhar políticas públicas efetivas de prevenção e resposta às violências", afirma Florence Bauer, representante do Unicef no Brasil. 

"A violência contra crianças e adolescentes é um problema grave, que precisa ser cada vez mais discutido por nossa sociedade. São vítimas dentro de suas próprias casas enquanto são pequenas e sofrem com a violência nas ruas quando chegam à pré-adolescência. O Poder Público precisa encarar a questão com seriedade e evitar que mais vidas sejam perdidas a cada ano", diz Samira Bueno, diretora executiva do FBSP. 

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Os dados desse Panorama foram obtidos pelo FBSP, por meio da Lei de Acesso à Informação. Foram solicitados a cada estado brasileiro os dados de boletins de ocorrência dos últimos cinco anos, referentes a mortes violentas intencionais (homicídio doloso; feminicídio; latrocínio; lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenção policial) e violência sexual (estupros e estupros de vulneráveis) contra crianças e adolescentes. Essas informações não são sistematicamente reunidas e padronizadas, tratando-se, portanto, de uma análise inédita e essencial para a prevenção e a resposta à violência contra meninas e meninos. 

Violência contra a criança, um crime dentro de casa 

Embora o maior número de vítimas de mortes violentas esteja na adolescência, é importante olhar também para as mortes violentas de crianças. Entre 2016 e 2020, foram identificadas pelo menos 1.070 mortes violentas de crianças de até 9 anos de idade. Em 2020, primeiro ano da pandemia de covid-19, foram 213 crianças dessa faixa etária mortas de forma violenta, sendo 10 no Rio Grande do Norte. 

Houve um aumento na faixa etária de até 4 anos, o que preocupa por serem mortes violentas na primeira infância. Nos 18 estados para os quais se dispõem de dados completos para a série histórica, as mortes violentas de crianças de até 4 anos aumentaram 27% de 2016 a 2020 - passando de 112, em 2016, para 142, em 2020. 

No total de crianças de até 9 anos mortas de forma violenta, 56% eram negras; 33% das vítimas eram meninas; 40% morreram dentro de casa; 46% das mortes ocorreram pelo uso de arma de fogo; e 28% pelo uso de armas brancas ou por "agressão física". Esse perfil muda bastante nas faixas etárias seguintes. 

Violência armada urbana, um crime contra o adolescente negro 

Em todas as idades, as principais vítimas de mortes violentas são os meninos negros. Esse perfil, no entanto, se intensifica ainda mais na adolescência. Para os meninos, a faixa etária dos 10 aos 14 anos marca a transição da violência doméstica para a prevalência da violência urbana. Nessa idade, começam a predominar mortes fora de casa, por arma de fogo e com autor desconhecido. 

Quando os adolescentes chegam à faixa etária de 15 a 19 anos, essa transição no perfil da violência letal está consolidada. As mortes violentas têm alvo específico: mais de 90% das vítimas são meninos, e 80% são negros. 

O número de mortes violentas de adolescentes de 15 a 19 anos caiu de 6.505 em 2016 para 4.481 em 2020, nos 18 estados em que há dados completos de série histórica. Em 2020, no total dos 27 Estados, 5.282 crianças e adolescentes de 15 a 19 anos foram mortos de forma violenta no Brasil. No Rio Grande do Norte, em 2020, foram 195. 

O panorama apresentou também uma maior concentração nos estados do Norte e Nordeste em relação a mortes violentas na faixa etária dos 10 aos 19 anos. O Rio Grande do Norte registrou a morte violenta de 202 adolescentes nessa faixa etária em 2020, representando a taxa 34 mortes por 100 mil habitantes com idades de 10 a 19 anos. 

Violência sexual, um crime dentro de casa, com autor conhecido 

A violência sexual é um crime que acontece prioritariamente na infância e no início da adolescência. Devido a problemas com os dados de 2016, a análise dos registros de violência sexual refere-se ao período entre 2017 e 2020. Nesses quatro anos, foram registrados 179.277 casos de estupro ou estupro de vulnerável com vítimas de até 19 anos - uma média de quase 45 mil casos por ano. Crianças de até 10 anos representam 62 mil das vítimas nesses quatro anos - ou seja, um terço do total. 

A grande maioria das vítimas de violência sexual é menina - quase 80%. Para elas, um número muito alto de casos envolve vítimas entre 10 e 14 anos de idade, sendo 13 anos a idade mais frequente. Para os meninos, o crime se concentra na infância, especialmente entre 3 e 9 anos de idade. A maioria dos casos de violência sexual contra meninas e meninos ocorre na residência da vítima e, para os casos em que há informações sobre a autoria dos crimes, 86% dos autores eram conhecidos. 

Em 2020 - ano marcado pela pandemia de covid-19 -, houve uma queda no número de registros de violência sexual. Foram 40 mil registros na faixa etária de até 17 anos em 2017 e 37,9 mil em 2020. No entanto, analisando mês a mês, observamos que, em relação aos padrões históricos, a queda se deve basicamente ao baixo número de registros entre março e maio de 2020 - justamente o período em que as medidas de isolamento social estavam mais fortes no Brasil. Essa queda provavelmente representa um aumento da subnotificação, não de fato uma redução nas ocorrências. No Rio Grande do Norte, foram reportados 434 em 2020. 

A urgência de políticas capazes de prevenir e responder à violência 

Diante desse cenário, há medidas fundamentais que precisam ser priorizadas no País, com foco em prevenir atos de violência letal e sexual contra crianças e adolescentes, e em dar respostas a esses crimes. Essas respostas pressupõem um olhar específico para as diferentes etapas de vida e para as diferentes formas de violência mais prevalentes em cada momento da infância e na adolescência. 

Entre as principais recomendações, destacam-se: 

• Não justificar nem banalizar a violência 

• Cada vida importa, e cada criança, cada adolescente deve ser protegido de todas as formas violências. Não se pode normalizar as mortes e a violência sexual, é preciso enfrentar esses crimes. 

• Toda pessoa que testemunhar, souber ou suspeitar de violências contra crianças e adolescentes deve denunciar. Proteger é responsabilidade de todos. 

• Capacitar os profissionais que trabalham com crianças e adolescentes 

• Eles são fundamentais para prevenir, identificar e responder às violências contra a infância e a adolescência. Ampliar a implementação da Lei 13.431, voltada à escuta protegida de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência. 

• Trabalhar com as polícias para prevenir a violência 

• Investir em protocolos, treinamentos e práticas voltadas à proteção de meninas e meninos. 

• Garantir a permanência de crianças e adolescentes na escola 

• Entendendo a escola e os profissionais da educação como atores centrais na prevenção e resposta à violência. 

• Ampliar o conhecimento de meninas e meninos sobre seus direitos e os riscos da violência 

• Para prevenir e responder à violência, é importante garantir que crianças e adolescentes tenham acesso à informação, conheçam seus direitos, saibam identificar diferentes formas de violência e pedir ajuda. 

• Responsabilizar os autores das violências 

• Garantir prioridade nas investigações sobre violências contra crianças e adolescentes. 

• Investir no monitoramento e na geração de evidências 

• Levantamentos como este Panorama são essenciais para entender o cenário das violências e tomar medidas para enfrentá-lo. 

Cada uma dessas recomendações é essencial para mudar o cenário atual e proteger crianças e adolescentes da violência. A cada vida perdida, a infância e a adolescência inteiras são atingidas.

Autor(a): Eliana Lima



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