22 MAI 2025
Segundo reportagem investigativa publicada nesta quarta-feira (21) pelo jornal norte-americano The New York Times, o Brasil foi usado durante anos como base secreta para a criação de agentes russos de alto nível, os chamados ilegais, espiões que vivem sob identidades falsas em missões de longo prazo.
A apuração, assinada por Michael Schwirtz e Jane Bradley, mostra como serviços de inteligência russos transformaram o Brasil em uma espécie de linha de montagem de espiões, fornecendo identidades, documentos e credibilidade para que pudessem atuar posteriormente em países como Estados Unidos, França, Noruega, Israel e até em tribunais internacionais.
Segundo o jornal, esses agentes adotaram vidas comuns no Brasil: abriram negócios, iniciaram relacionamentos, cursaram universidades e até conseguiram cidadania com documentos aparentemente autênticos, como certidões de nascimento e passaportes emitidos em cartórios brasileiros.
Um dos casos mais emblemáticos é o de Artem Shmyrev, oficial da inteligência russa que viveu por seis anos no Rio de Janeiro como Gerhard Daniel Campos Wittich. Dono de uma empresa de impressão 3D, com cliente até nas Forças Armadas, ele falava português fluente e mantinha um relacionamento com uma brasileira. Tudo parecia absolutamente normal, até ser desmascarado como espião.
A desmontagem dessa rede só foi possível graças a um trabalho silencioso e minucioso da Polícia Federal brasileira, que, a partir de 2022, criou a Operação Leste (Operation East). O estopim foi a prisão de Sergey Cherkasov, que tentava assumir um estágio no Tribunal Penal Internacional usando passaporte brasileiro falso sob o nome Victor Muller Ferreira. O alerta veio da CIA, e, mesmo sem provas de espionagem, Cherkasov acabou detido por falsidade documental.
A partir daí, agentes brasileiros começaram a rastrear o que chamaram de “fantasmas”: brasileiros com certidões de nascimento válidas, mas sem nenhum histórico de vida no país até surgirem como adultos. Com cruzamentos manuais de milhões de dados, identificaram padrões e chegaram a pelo menos nove espiões russos disfarçados de brasileiros. Seis deles nunca haviam sido identificados publicamente até agora.
A reportagem indica que a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 levou a uma cooperação internacional inédita contra a espionagem russa. A operação brasileira, somada a informações de serviços secretos dos EUA, Israel, Uruguai e Holanda, ajudou a desmantelar parte importante do programa russo de ilegais.
Alguns dos espiões identificados fugiram para Rússia, Portugal, Uruguai e até Namíbia. Outros desapareceram antes de serem presos. Para impedir que voltem a atuar, o Brasil emitiu alertas internacionais via Interpol com os nomes falsos e fotos dos agentes. A tática foi vista como uma forma simbólica de retaliação à espionagem, já que ser exposto como espião é considerado, segundo um investigador brasileiro ouvido pelo jornal, “pior do que ser preso”.
Brasil sob os olhos do mundo!
A investigação expôs brechas nos sistemas cartoriais e de emissão de documentos no Brasil, além de chamar atenção para o papel do país em um tabuleiro de geopolítica silenciosa. Mesmo mantendo uma postura neutra diante da guerra na Ucrânia, o Brasil foi usado, sem saber, como plataforma de lançamento para uma das maiores operações clandestinas da inteligência russa.
A atuação da Polícia Federal foi elogiada na reportagem por ter conseguido desmantelar a rede com inteligência e discrição, e também por compartilhar as descobertas com parceiros internacionais.
A reportagem completa, ricamente ilustrada e baseada em entrevistas, documentos e análises de inteligência, está disponível no site do The New York Times.
Fotografia do final da década de 1980, fornecida pela Agência de Registos da Stasi, mostra Vladimir V. Putin, o segundo a contar da esquerda, quando esteve colocado em Dresden, na Alemanha de Leste, como oficial da K.G.B. entre 1985 e 1990.Crédito...BStU
Seis dos espiões russos, no sentido dos ponteiros do relógio a partir do canto superior esquerdo: Yekaterina Leonidovna Danilova, Vladimir Aleksandrovich Danilov, Olga Igorevna Tyutereva, Aleksandr Andreyevich Utekhin, Irina Alekseyevna Antonova e Roman Olegovich Koval
Autor(a): BZN